Rezam as lendas bíblicas que o Senhor,
após os seis dias de grandes atividades da criação do mundo, arrancado do caos
pela sua sabedoria, descansou no sétimo para apreciar a sua obra.
E o Criador via os portentos da
Criação, maravilhado de paternal alegria. Sobre os mares imensos voejavam as
aves alegres; nas florestas espessas desabrochavam flores radiantes de
perfumes, enquanto as luzes, na imensidade, clarificavam as apoteoses da
Natureza, resplandecendo no Infinito, para louvar-lhe a glória e lhe exaltar a
grandeza.
Jeová, porém, logo após a queda de
Adão e depois de expulsá-lo do Paraíso, a fim de que ele procurasse na Terra o
pão de cada dia com o suor do trabalho, recolheu-se entristecido aos seus
imensos impérios celestiais, repartindo a sua obra terrena em departamentos diversos,
que confiou às potências angélicas.
O Paraíso fechou-se então para a
Terra, que se viu insulada no seio do Infinito. Adão ficou sobre o mundo, com a
sua descendência amaldiçoada, longe das belezas do éden perdido, e, no lugar
onde se encontravam as grandiosidades divinas, não se viu mais que o vácuo azulado
da atmosfera.
E o Senhor, junto dos Serafins, dos
Arcanjos e dos Tronos, na sagrada curul da sua misericórdia, esperou que o
tempo passasse. Escoavam-se os anos, até que um dia o Criador convocou os Anjos
a que confiara a gestão dos negócios terrestres, os quais lhe deviam apresentar
relatórios precisos, acerca dos vários departamentos de suas responsabilidades
individuais. Prepararam-se no Céu festas maravilhosas e alegrias surpreendentes
para esse movimento de confraternização das forças divinas e, no dia aprazado,
ao som de músicas gloriosas, chegavam ao Paraíso os poderes angélicos encarregados
da missão de velar pelo orbe terreno. O Senhor recebeu-os com a sua bênção, do
alto do seu trono bordado de lírios e de estrelas, e, diante da atenção
respeitosa de todos os circundantes, falou o Anjo das Luzes:
- “Senhor, todas as claridades que
criastes para a Terra continuam refletindo as bênçãos da vossa misericórdia. O
Sol ilumina os dias terrenos com os resplendores divinos, vitalizando todas as
coisas da Natureza e repartindo com elas o seu calor e a sua energia. Nos crepúsculos,
o firmamento recita os seus poemas de estrelas e as noites são ali clarificadas
pelos raios tênues e puros dos plenilúnios divinos. Nas paisagens terrestres,
todas as luzes evocam o vosso poder e a vossa misericórdia, enchendo a vida das
criaturas de claridades benditas!...”
Deus abençoou o Anjo das Luzes,
concedendo-lhe a faculdade de multiplicá-las na face do mundo.
Depois, veio o Anjo da Terra e das
Águas, exclamando com alegria:
- “Senhor, sobre o mundo que criastes,
a terra continua alimentando fartamente todas as criaturas; todos os reinos da
Natureza retiram dela os tesouros sagrados da vida. E as águas, que parecem
constituir o sangue bendito da vossa obra terrena, circulam no seu seio imenso,
cantando as vossas glórias incomensuráveis. Os mares falam com violência, afirmando
o vosso poder soberano, e os regatos macios dizem, nos silvedos, da vossa piedade
e brandura. As terras e as águas do mundo são plenas afirmações da vossa magnífica
complacência!...”
E o Criador agradeceu as palavras do
servidor fiel, abençoando-lhe os trabalhos.
Em seguida, falou, radiante, o Anjo
das Árvores e das Flores:
- “Senhor, a missão que concedestes
aos vegetais da Terra vem sendo cumpridas com sublime dedicação. As árvores
oferecem sua sombra, seus frutos e utilidades a todas as criaturas, como braços
misericordiosos do vosso amor paternal, estendidos sobre o solo do Planeta.
Quando maltratadas, sabem ocultar suas angústias, prestando sempre, com abnegação
e nobreza, o concurso da sua bondade à existência dos homens. Algumas, como sândalo,
quando dilaceradas, deixam extravasar de suas feridas taças invisíveis de
aroma, balsamizando o ambiente em que nasceram... E as flores, meu Pai, são
piedosas demonstrações das belezas celestiais nos tapetes verdoengos da Terra
inteira. Seus perfumes falam, em todos os momentos, da vossa magnanimidade e
sabedoria...”
E o Senhor, das culminâncias do seu
trono radioso, abençoou o servo fiel, facultando-lhe o poder de multiplicar a
beleza e as utilidades das árvores e das flores terrestres.
Logo após, falou o Anjo dos Animais,
apresentando a Deus um relato sincero, a respeito da vidas dos seus
subordinados:
- “Os animais terrestres, Senhor,
sabem respeitar as vossas leis, acatara vossa vontade. Todos vivem em harmonia
com as disposições naturais da existência que a vossa sabedoria lhes traçou.
Não abusam de suas faculdades procriadoras e têm uma época própria para o desempenho
dessas funções, consoante aos vossos desejos. Todos têm a sua missão de cumprir
e alguns deles se colocaram, abnegadamente, ao lado do homem, para substituí-lo
nos mais penosos misteres, ajudando-o a conservar a saúde e a buscar no
trabalho o pão de cada dia. As aves, Senhor, são turíbulos alados, incensando,
do altar da natureza terrestre, o vosso trono celestial, cantando as vossas
grandezas ilimitadas. Elas se revezam, constantemente, para vos prestarem essa
homenagem de submissão e de amor, e, enquanto algumas cantam durante as horas
do dia, outras se reservam para as horas da noite, de modo a glorificarem
incessantemente as belezas admiráveis da Criação, louvando-se a sabedoria do
seu Autor Inimitável!...”
E Deus, com um sorriso de júbilo
paternal, derramou sobre o dedicado mensageiro as vibrações do seu divino
agradecimento.
Foi quando, então, chegou a vez da
palavra do Anjo dos Homens. Taciturno e entre angústias, provocando a admiração
dos demais, pela sua consternação e pela sua tristeza, exclamou
compungidamente:
- “Senhor!... ai de mim! enquanto meus
companheiros vos podem falar da grandeza com que são executados os vossos
decretos na face do mundo, pelos outros elementos da Criação, não posso afirmar
o mesmo dos homens... A descendência de Adão se perde num labirinto de lutas
criado por ela mesma. Dentro das possibilidades do seu livre-arbítrio, é
engenhosa e sutil, a inventar todos os motivos para a sua perdição. Os homens
já criaram toda sorte de dificuldades, desvios e confusões para a sua vida na
Terra. Inventaram, ali, a chamada propriedade sobre os bens que vos pertencem
inteiramente, e dão curso a uma vida abominável de egoísmo e ambição pelo domínio
e pela posse; toda a Terra está dividida indebitamente, e as criaturas humanas
se entregam à tarefa absurda da destruição das vossas leis grandiosas e
eternas. Segundo o que observo no mundo, não tardará que surjam os movimentos
homicidas entre as criaturas, tal a extensão das ânsias incontidas de conquistar
e possuir...”
O Anjo dos Homens, todavia, não
conseguiu continuar. Convulsivos soluços embargaram-lhe a voz; mas o Senhor,
embora amargurado e entristecido, desceu generosamente do sólio de magnificências
divinas e, tomando-lhe as mãos, exclamou com bondade:
- “A descendência de Adão ainda se
lembra de mim?
- Não, Senhor!... Desgraçadamente os
homens vos esqueceram... – murmurou o Anjo com amargura.
- Pois bem – replicou o Senhor
paternalmente -, essa situação será remediada!...”
E, alçando as mão generosas, fez
nascer, ali mesmo no Céu, um curso de águas cristalinas e, enchendo um cântaro
com essas pérolas liquefeitas, entregou-a a seu último servidor, exclamando:
- “Volta à Terra e derrama no coração
de seus filhos este licor celeste, a que chamarás água das lágrimas... Seu
gosto tem ressaibos de fel, mas esse elemento terá a propriedade de fazer que
os homens me recordem, lembrando-se da minha misericórdia paternal... Se eles sofrem
e se desesperam pela posse efêmera das coisas atinentes à vida terrestre, é
porque me esqueceram, olvidando a sua origem divina.”
E desde esse dia o Anjo dos Homens
derrama na alma atormentada e aflita da Humanidade a água bendita das Lágrimas
remissoras; e desde essa hora, cada criatura humana, no momento dos seus
prantos e das suas amarguras, nas dificuldades e nos espinhos do mundo,
recorda, instintivamente, a paternidade de Deus e as alvoradas divinas da vida espiritual.
Fonte: Crônicas de Além
Túmulo – Chico Xavier/Humberto de Campos
imagem: google
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