Em face dos avanços científicos e tecnológicos apressados e das ambições individuais quanto coletivas, na busca insana de mais acumular e desfrutar, surgiu quase que de golpe a insatisfação pelo que se tem, pelo já conseguido, dando lugar ao vazio existencial, responsável por conflitos íntimos preocupantes.
As moles humanas, desnorteadas, em face das falsas necessidades de acumular e de desfrutar, ao lado das ânsias desmedidas pelo prazer, fogem para as depressões coletivas ou para a violência, esperando encontrar nas ações agressivas o gozo que vem perdendo o sentido de gratificação.
Eis, então, os dislates de toda ordem, a sofreguidão para chamar a atenção, para a auto-realização exterior, em face da frustração por não a haver conseguido internamente. Surgem as crises de comportamento, resultantes dos conflitos da emoção.
Embora a crise seja o portal de acesso a novas realizações, a revisão de valores que já se encontram superados e permanecem em vigência dificultando o acesso ao crescimento e à realização, na conjuntura conflitiva, torna-se tormento pessoal.
Durante a sua vigência, porque instalada em turbulência mental, com dificuldade de raciocínio e de discernimento, produz desequilíbrios variados.
Inicialmente, apresenta-se como falta de motivação para o prosseguimento dos objetivos que se vinha perseguindo e que perderam o significado psicológico, porque a saturação, que se fez inevitável, necessita de estímulos fortes para romper a sua couraça constritora.
A insatisfação, disso decorrente, perturba o humor e a alegria de viver, cede lugar ao tédio, à indiferença em relação a tudo quanto antes constituía enriquecimento interior e júbilo existencial.
Há, em todo processo de evolução, uma forma de descontinuidade, que se encarrega de gerar o seu prosseguimento. O método utilizado durante um período em que revelou resultados saudáveis, torna-se inaceitável em outra conjuntura, exigindo reestruturação e mudança, conforme os padrões do conhecimento, dos processos ora vigentes.
Essa descontinuidade é fator estimulante para novas buscas e mais compatíveis realizações que acompanham a evolução do pensamento e das técnicas em uso.
A maquinaria humana, em face da sensibilidade emocional e dos extratos jacentes no inconsciente profundo, como no subconsciente atual, é sujeita a alterações contínuas, mantendo a sua individualidade e a sua personalidade, sem permanecer em condição de robô que atende a comandos repetitivos, sem reflexão, nem aptidão que lhe faculte a escolha.
O ser humano tem preferências, seleciona o que lhe compraz, elege aquilo que realmente lhe convém, dentro dos parâmetros dos interesses motivadores da existência.
Assim sendo, quando defrontado com o repetido ou o desafiador, não estando em equilíbrio emocional, desliza para fugas psicológicas, transferindo os conflitos de direção e disfarçando-os sob outras manifestações. No fundo permanecem as raízes da insatisfação, que reflorescerão murchas e desfiguradas em outras apresentações conflitivas.
Os desafios fazem parte do crescimento emocional e intelectual do indivíduo, no entanto, paulatino, e não golpeante, contínuo, volumoso.
A atualidade permite através das comunicações virtuais e daquelas que são veiculadas pela mídia, volumosa carga de informações, especialmente degradantes e perversas que sobrecarregam o pensamento e a emoção, exigindo-lhes uma de duas condutas para melhor suportá-las: o receio dos relacionamentos, da vida, da luta ou o bloqueio dos sentimentos, a indiferença para aceitar novas informações perturbadoras e aflitivas.
Os temperamentos tímidos refugiam-se no medo e procuram soluções que não existem, evitando novos contatos, acontecimentos desgastantes, realizações geradoras de preocupações.
Os mais audazes, necessitando de viver mais pelo hábito do que pela satisfação decorrente da existência, bloqueiam os medos e os conflitos, navegando nesse mar encapelado, na fragilidade da embarcação da auto-confiança e da auto-indiferença pelos dramas existentes e pelos sofrimentos a sua volta.
Uns e outros, surpreendidos, no entanto, pelo impositivo do progresso, obrigados à convivência social, que lhes é fundamental à vida, impulsionados ao crescimento, que é lei universal, entram em crise existencial, experimentando aflições que se lhes apresentam sobre-humanas, maiores do que a sua capacidade de as solucionar.
Não habituado à interiorização, à reflexão mental, procuram caminhos exteriores que não existem.
A psique humana tem quase a mesma idade do universo.
Desde a Criação que o psiquismo passou a formar-se sob o comando da Mente Divina.
Avançando mediante os processos naturais, através das expressões do Cosmo, alcançou o estágio de humanidade preservando todas as experiências ancestrais, que são os alicerces das suas conquistas contemporâneas. Nada obstante, muitos substratos constituem-lhe resistências para a assimilação de novos impulsos de reflexão e de transcendência, permanecendo mais no cotidiano das questões simples do que nos grandes vôos do pensamento ampliado.
A crise existencial é uma forma de ruptura com o passado, com alguns desses substratos, propiciando novos investimentos da inteligência e da emoção, a fim de surgirem outros patamares de apoio para as conquistas mais complexas da harmonia, que pressupõe equilíbrio, estabilidade, realização pessoal.
O ser humano possui profundidade que deve ser penetrada, superando a superficialidade do dia-a-dia, na busca das qualidades autênticas que o fazem diferente dos demais animais, não reagindo, não agredindo, não se destruindo, não se desequilibrando, graças ao discernimento que o leva aos atos compatíveis com os níveis alcançados de sabedoria.
Dessa forma, torna-se um elo que une e que reúne todos os seres na grande família universal, por enquanto, terrestre, avançando para Deus, que é a Meta mais elevada e que será alcançada a pouco e pouco.
As conquistas da inteligência através da ciência e da tecnologia, cujos avanços invejáveis perturbam, no momento, servem para facilitar o processo de harmonização interior e de administração de todas as conquistas, sem permitir-se o indivíduo submergir no volume das suas informações difíceis de ser entendidas em um momento único. Portanto, cada passo emocional e mental deve ser dado com precisão e reflexão, superando uma fase a fim de conquistar outro, solucionando um problema para logo enfrentar o seguinte, fruindo o prazer de realizar o que lhe é importante, agradável ou não, indispensável, porém, para a conquista da saúde real.
Se se entender crise emocional como um crisol psicológico, logo se avançará para novos enfrentamentos e diferentes realizações que são essenciais no transcurso da existência.
Surgindo a crise existencial, é imperioso que sejam examinados os fatores indicativos e aqueles responsáveis pela sua origem, de modo a descobrir-se a solução no próprio acontecimento, mediante o desejo de resolver-se o impasse antes de permitir-lhe o agravamento, que sempre dá lugar à instalação de conflito angustiante.
O ser humano é constituído psicologicamente de resistências que lhe facultam enfrentar constantes desafios emocionais, graças aos quais a vida ruma na direção da auto-realização.
Crise existencial, portanto, é ocorrência normal, predispondo a avanços significativos na história do ser humano.
Ao invés do abatimento e do desconforto, do abandono dos objetivos, cabe ao indivíduo em crise, reconhecer que lhe é reservado o dever de enfrentar o acontecimento, somente ele, partindo, então, para experiências mais enriquecedoras, portanto, mais carregadas de desafios.
Do livro: ENCONTRO COM A PAZ E A SAÚDE
Divaldo P. Franco/Esp. Joanna de Ângelis
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