Crises Gerais
A predominância do ego sobre o self responde pela crise de conduta, em razão da fragmentação do que deveria ser a unidade psicológica do ser, trabalhando impulsos descontrolados pela ambição do ter, ao invés da natural busca do ser.
Nessa ocorrência, a sombra escura arquetípica projeta-se exteriormente, gerando instabilidade emocional, em face da perda do senso de elevação e de construção da individualidade sob o impacto da personalidade em desalinho.
Inevitavelmente estabelece-se a turbulência interior, porque desaparecem os ideais mais relevantes, que devem ser cultivados e vividos, sendo substituídos pelas ilusões do cotidiano, responsáveis pelos tormentos menores que se agravam na sucessão dos tempos, adquirindo complexidade perturbadora.
Não possuindo estrutura de profundidade psicológica, essa ambição desvanece-se no impacto com a realidade, porque tais procedimentos não oferecem os resultados anelados. Logo que conseguido um objetivo, outro se apresenta mais exigente, e cada frustração ou insatisfação que se expressa, soma ansiedade ao sentimento, dando lugar à solidão e aos medos.
A ansiedade logo se manifesta como instabilidade em relação às conquistas plenificadoras, desde que aquelas conseguidas são mais externas do que interiores de afirmação e de bem-estar profundo. Deixam, por efeito, a sensação de vazio existencial, em face do conteúdo de que se revestem. Assemelham-se a uma alimentação diária que, logo satisfeita, momentos após volta a apresentar-se como essencial à vida orgânica, exigindo repetição.
A solidão, de imediato, manifesta-se como efeito natural da qualidade íntima de interesse emocional pelas coisas, não se satisfazendo com o já conseguido, produzindo soledade – aqui expressa, em nosso conceito pessoal, como situação de abandono mesmo que no meio da multidão, ou quando acompanhado por outrem, este não consegue participar da interioridade do parceiro ou amigo, familiar ou conhecido, por mais que o busque e esforce-se por oferecer-lhe amizade e companheirismo.
Essas manifestações sutis do sentimento abrem espaço para a instalação dos medos surdos da realidade, gerando fugas psicológicas, que tanto se podem apresentar em manifestação de revolta – processo de transferência do fracasso pessoal – como em afastamento do mundo social em que se vive – vingança inconsciente em forma de ressentimento dos outros.
É inevitável que, somadas essas crises individuais presentes nas criaturas com dificuldades interiores não resolvidas, apareçam em volume, cada vez maior, as crises gerais, na sociedade, na política, na religião, na cultura, na arte, nos relacionamentos humanos, desbordando nas lutas infelizes em que os mais atormentados e mais hábeis fazem-se vitoriosos, passando a impor as suas patologias, e tornando-se invejados como vitoriosos.
O senso de equilíbrio cede lugar ao deslumbramento pelo fetiche da aparência, da fama, da glória de mentira, arrebanhando multidões de imaturos que se locupletam com as migalhas que sobram das mesas fartas desses desumanos triunfadores egotistas.
A solução do problema geral, porém, encontra-se na célula humana, no indivíduo que perdeu o rumo do equilíbrio e atormenta-se no individualismo perverso, sem haver entendido a necessidade do coletivismo saudável.
A sociedade contemporânea, de certo modo, é herdeira de uma competição individualista, por cuja conduta os poderosos de qualquer tipo, sempre acreditaram que a dominação dos outros constituir-lhes-ia segurança e auto-realização. Cercando-se de áulicos, igualmente ambiciosos e pusilânimes, acreditaram nos ardis engendrados pela imaginação desregrada, erguendo, para si mesmos, as posições de comando, que se transformaram em desmandos e desumanidades.
Foram aproximadamente quatro séculos de competitivismo cruel e sanguinário, em que a hedionda meta deveria ser alcançada sem qualquer princípio ético ou disposição moral, valendo somente o atingi-la.
Disso resultou muita ansiedade subjacente na conduta social, porque aquele que não alcançava o patamar do destemido e arbitrário, às vezes travestido de vencedor e promotor do progresso, sentia-se fracassado, perturbando-se no comportamento.
Na atualidade, vive-se o coletivismo, no qual as pessoas são padronizadas por modelos, quase sempre estabelecidos por indivíduos atormentados, que preferem o exótico por dificuldade de destacar-se na conduta normal.
Esses padrões transformam-se em cultos ao personalismo, ao mito, às falsas necessidades de comportamento, que esgotam as energias do sentimento e geram mais ansiedade e autodepreciamento, porque se torna quase impossível atingir o denominado fator ideal, e, quando logrado, raramente pode ser mantido.
Vejam-se, por exemplo, as imposições dos padrões de beleza, violentando a harmonia orgânica e as programações genéticas, que estabelecem biótipos diferentes, jamais padronizadas pelos caprichos da mente. Surgem, no seu servilismo, as tormentos das dietas trabalhadas na base da agressão ao organismo físico, as ginásticas excessivas, as massagens e cirurgias plásticas retificadoras, as próteses de silicone e de outra procedência, com o objetivo de modelar o corpo conforme a alucinação momentânea, produzindo conflitos intérminos na juventude em particular, e, por extensão, nas demais pessoas instáveis psicologicamente, embora fisicamente amadurecidas.
De imediato, apresentam-se novos padrões de conduta, quais o excesso de erotismo, exaurindo o aparelho genésico e apelando-se para os variados artifícios, como o uso da substâncias químicas, a prática sexual através de exibições perversas, as quais, de natureza patológica, como as aberrações que culminam no sadismo, no masoquismo ou em ambos simultaneamente, adquirindo o apoio cínico dos veículos de propaganda, a fim de mais venderem os seus produtos moralmente venenosos.
A desonestidade, o suborno, a perseguição de partido, de crença, de etnia, de economia, a desvalorização moral da mulher, o desrespeito à infância e à velhice, mesmo que se negando a existência de preconceitos como se os mesmos estivessem ultrapassados, mas que continuam jacentes no inconsciente e na conduta atormentada de todos esses insatisfeitos que buscam novidades em razão de se encontrarem exaustos, tornam-se naturais e, embora censurados por um momento, logo são praticados em regime de cidadania legal.
Nada obstante, por mais que sejam aceitos socialmente, nunca se tornarão portadores de caráter moral, por atentarem contra os atributos sublimes do self, que procedem do arquétipo primordial, causal, que é Deus.
Ninguém consegue fugir da sua essência, da origem divina, e enquanto assim proceder, buscando soluções mentirosas, viverá em crises contínuas, saltando de uma para outra, interminavelmente, porque insultuosas ao ser real, que é a razão essencial da vida.
Esse coletivismo malcomportado, significando a sombra coletiva doentia, apela para o poder da força em razão de haver perdido a força da razão e do sentimento, da harmonia interior que deve viger em cada indivíduo, a fim de propagar-se para o grupo social como efeito natural do desdobramento pessoal.
Mesmo essa crise geradora de conflitos guerreiros, divisores de comunidades, é lamentável processo de progresso, porque, advindo o cansaço, a exaustão das forças, o indivíduo começa a identificar a necessidade de harmonizar o ego com o self, em procedimento de convivência salutar, entendendo o significado existencial e trabalhando para a auto-realização, para a conquista real da saúde emocional, resultando em equilíbrio físico e mental.
Do livro: ENCONTRO COM A PAZ E A SAÚDE
Divaldo P. Franco/Esp. Joanna de Ângelis