Fruto
de um acidente doméstico, Aristeu teve parte de seu corpo queimado. Foi grande
a dor na hora e insuportável depois, entre bolhas e o medo da infecção e do
estigma das cicatrizes.
Aristeu,
que levava uma vida pacata e tranquila, se viu às voltas com os efeitos daquele
acidente doméstico, que mobilizou família e amigos na assistência ao bom
companheiro. Após o atendimento emergencial, restou a ele dar continuidade ao
seu tratamento em um hospital especializado em queimados, onde, dia sim e dia
não, ele seguia o rito de pomadas e de unguentos, na troca de curativos sob o
olhar atento dos profissionais de saúde.
Na fila
de espera, na antessala dos ambulatórios, Aristeu observava atentamente que
havia casos piores que o seu. De cada dor, de cada caso narrado, descobria o
sofrimento de seu irmã desconhecido, que ele ignorava no conforto do seu lar,
vendo o mundo e suas agruras apenas pela tela da televisão.
Assim
seguiu o tratamento de Aristeu, que tratou seu corpo e a sua alma, que foi se
iluminando à medida que via, no olhar do seu irmão, dor maior do que ele jamais
imaginava sentir. Nas queimaduras cicatrizadas nasceu uma nova pele. No seu
espírito, regenerado, nasceram novas convicções e visões de mundo.
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Assim, nos isolamos do mundo, longe de suas realidades, e
quando o destino nos empurra para fora dos muros de nossos palácios, nos
defrontamos com a doença, a morte, a pobreza e toda sorte de provações.
A
ideia de nos pouparmos do mundo, de seus desafios, nos impede de crescer.
Preferimos o paraíso da redoma, crer que o mundo seja uma propaganda de
refrigerantes, com jovens sorridentes, para se debulhar em lágrimas nos dramas
das telenovelas, concluídos com um apertar de botões.
O
mundo não é só dor e sofrimento. O mundo não é só alegria esfuziante. O mundo é
um mosaico de histórias e desafios, de sorrisos e lágrimas, que nos conduzem a
um processo de amadurecimento como espíritos, na bendita escola que chamamos de
planeta Terra.
Negar
a dor do próximo não nos isente do compromisso com os nossos irmãos. A chaga
mais proeminente nos dias de hoje, o individualismo, nos leva ao isolamento em
castas econômicas, nas quais ignoramos os desafios alheios e deixamos de
aprender com isso.
Essa
discussão nos conduz a uma profunda reflexão, de como conduzimos nossos
trabalhos assistenciais na seara espírita. Que indicadores estabelecemos para
classificar esses trabalhos como satisfatórios? Seria a quantidade de bolsas
distribuídas? O volume de recursos arrecadados? Será que esquecemos nesse
sentido o valor da troca, do olhar, do abraço? A importância do trabalho no bem
está no aprendizado profundo do abraço que damos no nosso irmão em dor!
Em hipótese
alguma defende-se aqui o turismo da caridade, emblemático na visita às
comunidades cariocas pelos estrangeiros, como um safári da pobreza. Defende-se
a nossa interação interventiva e pessoal no trabalho do bem, de forma a
falarmos e ouvirmos, nas visitas a hospitais, orfanatos, asilos e toda sorte de
instituições que concentrem pessoas necessitadas, tanto quanto nós necessitamos
de ouvir aquela palavra de resistência e luta, diante das provas mais agudas,
que virão, ou que nos atormentam.
Sidarta
Gautama, o Buda, criado no luxo e na opulência, teve a sua iluminação ao sair
de suas suntuosas dependências para encontrar as dores humanas. Aristeu também
nasceu de novo, reformulando a sua disposição diante da vida. De cada
experiência, de cada dor, colhemos o aprendizado, mas ofertamos também a
palavra amiga e o sorriso de esperança, em um exercício permanente de amor, na
interação com o próximo.
A
nossa iluminação se faz quando rompemos as paredes que nos isolam do mundo, no
encontro do próximo. Às vezes, precisamos de dias de Buda para refletir sobre
essa realidade. Precisamos trabalhar o nosso coração, torná-lo robusto no amor,
um exercício que se faz no encontro com o outro, na alegria e na tristeza.
Fonte: Jornal Espiritismo Estudado – setembro/2013
imagem: academiadafelicidaderp.blogspot.com
2 comentários:
Cara Denise,
Texto lindo e oportuno para reflexão nesse domingo de Páscoa.
É sempre gratificante e edificante uma visitinha por aqui.
Muita paz e muita luz para ti!
Xerocas carinhosas
Go
A função da dor é sublime, e é uma mestra muito mal compreendida.
Ela nos ajuda a romper a casca da nossa crisálida, libertando a borboleta.
Cada vez mais evidente pra mim: Todo mal vem para o bem!
Beijos.
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