Casamento, para Kardec,
não era um ato formal, uma solenidade religiosa, nem uma bênção sacerdotal.
Depreende-se da sua pergunta que ele entendia que casamento é um compromisso
livremente assumido por dois espíritos, perante o altar de suas consciências.
A
alguns pode parecer estranha a presença de adjetivo permanente no contexto, o
que parece contrariar o exercício do livre-arbítrio. Mas a dúvida se desfaz
quando se atenta para o diálogo mantido entre Kardec e os Espíritos, registrado
no item 697: Está na lei da Natureza, ou somente na lei humana, a
indissolubilidade absoluta do casamento? Ao que os Espíritos responderam: “É
uma lei humana muito contrária à da Natureza. Mas os homens podem modificar
suas leis; só as da Natureza são imutáveis”.
Pelo
visto, depreende-se que a expressão permanente, nesse contexto, significa com
perspectivas de permanência, isto é, que não se trata de uma união fortuita,
baseada apenas num impulso passageiro, mas no amor e quando há realmente amor,
o casamento não acaba. Se acaba, pelo menos um dos dois não experimentou
realmente o amor, pois o verbo amar só tem pretérito na gramática.
À
medida que o tempo passa, mais se evidencia o avanço do pensamento do
Codificador em relação aos seus contemporâneos, pois o casamento tem perdido,
ao longo dos anos, o caráter de ato sócia, religioso, passando a ser
conceituado e respeitado como ato pessoal, íntimo. Atualmente, um casal se
impõe perante a sociedade como legitimamente constituído, não mais por ter o
seu compromisso matrimonial sido levado a efeito num templo, mas sim pelo
ambiente de respeito e seriedade em que vivenciam a união.
Conforme
se vê, casamento, na conceituação do Codificador e dos Espíritos que lhe
responderam as perguntas, está muito acima de qualquer bênção de um clérigo ou
de qualquer ato de um Juiz de Paz. Trata-se do estabelecimento de uma sociedade
conjugal, levado a efeito pelo próprio casal, num plano eminentemente moral,
ético. É compromisso sagrado, que leva um a ver no outro o próximo mais
próximo.
Conforme
se pode entender, o casamento não depende de nada exterior, de nenhuma ação
alheia aos dois. As duas criaturas se casam, pois ninguém tem o poder de
realizar o casamento de outrem. Na gramática, aprende-se que o verbo casar
pode, entre outros regimes, ser transitivo, mas filosoficamente essa
classificação é falsa. Poder-se-ia dizer que o verbo é recíproco, pelo fato de
as pessoas se casarem, sem a interveniência de ninguém.
Nem
Juiz de Paz promove o casamento. Essa autoridade apenas registra nos anais da
sociedade, para os efeitos legais, o casamento que é diante dela declarado.
Se o
Juiz de Paz não casa ninguém, muito menos o representante de uma religião pode
fazê-lo, embora existam aqueles que se arrogam o direito de agir em nome de
Deus, selando um compromisso matrimonial.
Com
esse entendimento, conclui-se que o casal espírita apresenta-se diante da
autoridade civil apenas para declarar o seu casamento, solicitando seja ele
registrado, e não para receber qualquer tipo de legitimação. A legitimidade do
casamento é dada pelo grau de responsabilidade e de amor que presidiu a
formação do casal.
Quanto
mais espiritualizado o casal, mais o ato transcende os limites da vida
material, revestindo-se de características espirituais, o que leva naturalmente
ao desejo de uma comunhão com o Alto, que poderá ser levada a efeito através de
uma prece, proferida por um ou por ambos os nubentes, ou por alguém
afetivamente ligado a eles, pois só o amor pode legitimar a condição de alguém
na condição de suplicante de bênçãos sobre uma união matrimonial.
José Passini
Fonte: Jornal
Espiritismo Estudado – março/2015
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