Medos e ansiedades, aspirações e sofrimentos estereotipam-se
em fórmulas e formas mitológicas que lhe refletem o estágio evolutivo, em
alguns deles perfeitamente consentâneos com as suas conquistas contemporâneas.
As concepções indianas lendárias, as tradições templárias
dos povos orientais, recuperam as suas formulações nas tragédias gregas,
excelentes repositórios dos conflitos humanos, que a mitologia expõe, ora com
poesia, em momentos outros com formas grotescas de dramas cruéis.
Com pequenas variações vemos a mesma representação em
outros povos e doutrinas de conteúdo infantil, que se não dão conta ou não
querem encontrar o significado real da vida, a sua representação profunda, castigando
aqueles que lhe desobedecem e preferem a idade adulta da razão, abandonando a
infância.
O pensamento cartesiano, com o seu “senso prático”,
deu-lhes o primeiro golpe e lentamente decretou a morte dos mitos e das
crenças.
E
quando já se acreditava na morte dos mitos, considerando-se as mentes adultas
liberadas deles, eis que a tecnologia e a mídia criaram outros hodiernos: os super-homens, os He-man, os invasores marcianos, os homens
invisíveis, gerando personagens consideradas extraordinárias para o
combate contra o mal sem trégua em nome do bem incessante.
O exacerbar do entusiasmo tornou a ficção uma realidade
próxima, permitindo que os jovens modernos confundam as suas possibilidades
limitadas com as remotas conquistas da fantasia.
Imitam os heróis das histórias em quadrinhos, tomam
posturas semelhantes aos líderes de bilheteria, no teatro, no rádio, no cinema,
na televisão e chegam a crer-se imortais físicos, corpos indestrutíveis ou
recuperáveis pelos engenhos da biônica, igualmente fabricantes de seres
imbatíveis.
Retorna-se, de certo modo, ao período em que os deuses
desciam à Terra, humanizando-se, e os magos com habilidades místicas resolviam
quaisquer dificuldades, dando margem a uma cultura superficial e vandálica de
funestos resultados éticos.
A violência, que irrompe, desastrosa, arma os novos Rambos com equipamentos de vingança
em nome da justiça, enfrentando as forças
do mal que se apresentam numa sociedade injusta, promovendo lutas
lamentáveis, sem controle.
As experiências pessoais, resultado das conquistas
éticas, cedem lugar aos modelos fabricados pela imaginação fértil, que descamba
para o grotesco, fomentado o pavor, ironizando os valores dignos e desprezando
as Instituições.
A falência do individualismo industrial, a decadência do
coletivismo socialista deram lugar a novas formas de afirmação, nas quais o
inconsciente projeta os seus mitos e assenhoreia-se da realidade,
confundindo-a com a ilusão.
As virtudes apresentam-se fora de moda e a felicidade
surge na condição de desprezo pelo aceito e considerado, instituindo a
extravagância — novo mito — como modelo de auto-realização, desde que choque e
agrida o convívio social.
Na sucessão de desmandos propiciados pelos mitos contemporâneos,
toma corpo a saudade da paz — inocência representativa do bem — e a
experiência, demonstrando a inevitabilidade dos fenômenos biológicos do
desgaste do cansaço, do envelhecimento e da morte, propicia uma revisão cultural
com amadurecimento das vivências, induzindo o ser a uma nova busca da escala de
valores realmente representativos das aspirações nobres da vida.
A solidão e a ansiedade que os mitos mascaram, mas não
eqüacionam, rompem a couraça de indiferença do homem pela sua profunda
identidade, levando-o a um amadurecimento em que o grupo social dele necessita
para sobreviver, tanto quanto lhe é importante, favorecendo-o com um
intercâmbio de emoções e ações plenificadoras.
Os
mitos, logo mais, cederão lugar a realidades que já se apresentam, no início,
como símbolos de uma nova conquista desafiadora e que se incorporarão, a pouco
e pouco, ao cotidiano, ensinando disciplina, controle, respeito por si mesmo,
aos outros, às autoridades, que no homem se fazem indispensáveis para a feliz
coexistência pacífica.
Do livro: O Homem
Integral – Divaldo Pereira Franco/Joanna Di Ângelis
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