Pouco a pouco, o nevoeiro vai ficando
mais claro; as percepções se tornam mais nítidas. O espírito recupera sua
lucidez; desperta para a nova vida, a vida do espaço. Instante solene para ele,
mais decisivo, mais formidável que a hora da morte, porque, de acordo com seu
valor e seu grau de pureza, esse despertar
será calmo e delicioso ou cheio de ansiedade e
sofrimento.
No estado de perturbação, a alma está
consciente dos pensamentos dirigidos a ela. Os pensamentos de amor, de
caridade, as vibrações dos corações afetuosos brilham para ela como raios na
neblina que a envolve e a ajudam a se separar dos últimos laços que a prendem à
Terra, a sair da sombra em que está imersa.
É por isso que as preces inspiradas
pelo coração, ditas com calor e convicção, especialmente as improvisadas, são
fortalecedoras, benfazejas para o espírito que deixou a vida corporal. Pelo
contrário, as orações vagas, infantis, das Igrejas, muitas
vezes não têm efeito algum. Pronunciadas maquinalmente,
não têm poder vibratório que faz do pensamento às vezes uma força penetrante e,
ao mesmo tempo, uma luz.
O cerimonial religioso em uso
geralmente traz pouca ajuda e conforto aos mortos. A ignorância das condições
da sobrevivência torna os participantes dessas manifestações indiferentes e distraídos.
É quase um escândalo ver a displicência com que se assiste, em nossa época, a
uma cerimônia fúnebre. A atitude dos assistentes, a falta de recolhimento, as
conversas banais durante o funeral, tudo causa dolorosa impressão. Bem poucos dos
que acompanham o enterro pensam no defunto e sentem
como um dever projetar para ele um pensamento afetuoso.
As preces fervorosas de seus amigos, de seus parentes, são
bem mais eficazes para o espírito do morto do que as manifestações do culto
mais pomposo. Entretanto, não é bom nos entregarmos desmedidamente à dor da
separação. Certamente que as lamentações da partida são legítimas e as lágrimas
sinceras são sagradas; porém, se essas lamentações são muito exageradas, entristecem
e desanimam aquele a quem são dirigidas e, muitas vezes, testemunha delas. Em
vez de lhe facilitarem o vôo para o espaço, elas o prendem nos lugares onde
sofreram e onde ainda estão sofrendo aqueles que lhe são caros.
As existências interrompidas
prematuramente em acidentes chegaram ao seu fim previsto. São, em geral,
complementos de existências anteriores que foram truncadas por causa de abusos ou
de excessos. Quando, em conseqüência de hábitos desregrados, gastaram-se os
recursos vitais antes da hora marcada pela natureza, deve-se voltar e
completar, em uma existência mais curta, o lapso de tempo que a existência
anterior devia ter normalmente preenchido. Acontece que os seres humanos
passíveis dessa reparação reúnem-se num ponto pela força do destino,
para resgatar numa morte trágica as conseqüências dos
atos que estão relacionados com o passado anterior ao nascimento.
Daí as mortes coletivas, as
catástrofes que lançam no mundo um aviso. Aqueles que partem assim acabaram o
tempo que tinham de viver e vão se preparar para existências melhores.
(continua)
Fonte: O
PROBLEMA DO SER, DO DESTINO E DA DOR
LÉON DENIS
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